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Grande Taguatinga

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A partir de Janeiro de 2019, deixamos de imprimir o jornal em papel, dando mais atenção à sua edição digital, agora diária.

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O leitor escreve

* Buracos estão sendo tapados

* Comunidade se movimenta

* Academia Taguatinguense de Letras

Taguatinga não é Ave Branca

Bandeira de Taguatinga

BARRO-BRANCO (Tese de Linguística)

A palavra Taguatinga nada mais é do que uma variante da palavra Tabatinga, cujo significado é “barro branco” e não “Ave Branca” como se tem pensado.

Vale ressaltar o nosso simples propósito de procurar, na medida do possível, esclarecer ou pelo menos questionar as origens de nossa cidade e, para tanto, a origem de seu nome que, a nosso ver, não está devidamente esclarecida.

Cabe-nos, porém, tentar provar que a palavra Taguatinga significa “barro branco”.

Para que chegássemos a essa conclusão, agimos da seguinte forma: Procuramos saber de onde teriam tirado esse nome: Taguatinga, para ser dado a um conglomerado de gente que começou a se formar, pelos meados de 1958, no Planalto Central do Brasil, com o objetivo de servir de infraestrutura de mão-de-obra para a construção de Brasília. Ou seja, ali residiram os candangos propriamente ditos, vindos, os primeiros, dos caminhões de migrantes que eram barrados na altura da (hoje) SHIS Sul, por causa da superpopulação da Cidade Livre; e, depois, os da extinta Vila Amauri, porquanto esta viria a ser, mais tarde, encoberta pela água do Lago Paranoá.

Concluímos, então, sem maiores esforços, que o referido nome (taguatinga) teria sido em razão de estar este conglomerado situado às margens do Córrego Taguatinga, que nasce na (hoje) Taguatinga-Sul e juntando-se a ele o Córrego Cortado, que nasce na (hoje) Taguatinga-Norte, formando o Ribeirão Taguatinga, o qual, após receber vários afluentes, muda de nome para Rio Melchior e vai desaguar no Rio Descoberto.

Por se tratar de uma pesquisa ainda superficial a nossa, não nos preocupamos muito em saber quem teria dado esse nome ao córrego ou ao Ribeirão. Limitamo-nos, apenas, a admitir que, pelo fato de o córrego preceder à cidade, teria ele o nome antes da cidade. Admitimos, também, que, por esse nome um tupinismo e topônimo, ele tenha sido dado por indivíduos bilíngues das bandeiras de exploração do sertão, no período colonial, os quais teriam sido, dali, depois dos índios, os primeiros habitantes. Consideramos, ainda, que, de acordo com J. Mattoso Câmara, “No Brasil, os topônimos, ainda sem grandes mudanças fonéticas, representam: a) (...); d) tupinismos, em regra de intensão descritiva. Ex: Piauí, tupi, ‘rio dos piaus’:...”.

Ora, admitido isso, passamos a analisar, tão somente, o tupinismo e topônimo Taguatinga. Isto é, procuramos compreender o significado etimológico do nome próprio, do tupi, Taguatinga, baseando-nos no estudo de seus étimos. 

Valemo-nos, para tanto, com mais frequência, da seguinte bibliografia: DICIONÁRIO DE LINGUÍSTICA E GRAMÁTICA, autor: J. Mattoso Câmara Jr; GRAMÁTICA HISTÓRICA, autor: Ismael de Lima Coutinho; NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, autor: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; e outros.

Assim sendo, fizemos um retrocesso da palavra Taguatinga à transcrição fonética de seu original em tupi “Tawa ‘tiga” que se pronuncia (tauatinga). Retrocedemos ainda mais e tivemos “Ta ‘wa” ‘tiga” que se pronuncia (ta ‘uá ‘tinga). Deparamo-nos, dessa forma, com duas palavras tupis: “ta ‘wa” = argila amarela; e “tiga = branco.

Deixamos de lado o sufixo “tiga” por considerarmos indiscutível o seu significado, que assim o explica Aurélio Buarque: “. – tinga. [Do tupi “tinga”. El. Comp. = ‘branco’; biguatinga, caatinga, surucucutinga”.

Passamos, então, a questionar a palavra Taguá, que Aurélio Buarque a define assim: Taguá. S. m. Bras. 1. Argila aluvional colorida por dióxido de ferro (...) /Var. : taguá./”.

Já que não encontramos a palavra Taguatinga, mas sabendo que Tauá é uma variante de Ta ‘uá, procuramos a palavra Tauatinga. Aurélio explica: “Tauatinga. S. f. Bras. Var. Tabatinga”. Fomos, assim, ao significado de Tabatinga: “Tabatinga. /Do tupi “tawa ‘tiga”, ‘barro branco’. /S. f. 1. Argila sedimentar, mole, untuosa, e com certo teor de matéria orgânica. 2. Bras., GO. Terra argilosa de variegadas cores. /Var: tauatinga, tabatinga./”.

Logo, por simples dedução, podemos concluir que Taguatinga também significa “barro branco”. Isto porque, se Taguatinga é igual a tauatinga, tauatinga igual a tabatinga e tabatinga igual a “barro branco”, logo, Taguatinga é igual a “barro branco”.

Mas não paramos por aí. Achamos válido compreender certos outros aspectos. Procuramos, então, questionar, etimologicamente, por que Taguatinga e não Tauatinga?

Tivemos, naturalmente, que voltar às origens. Tomamos, novamente para estudo, a transcrição fonética dos sons da fala dos tupis ao pronunciarem “barro branco”. Transcrição esta feita, conforme J. Mattoso, “(de acordo com o dialeto Tupinambá) com que os portugueses entraram em contato na costa e serviu de base para a constituição da chamada LÍNGUA GERAL, empregada no intercurso com os índios e posta em disciplina gramatical pelos jesuítas missionários. São fundamentalmente empréstimos lexicais íntimos (por adstrato), abrangendo os campos semânticos da fauna e flora do país (ex.: aipim, jacarandá, tamanduá), topônimos (ex.: Pará, Tijuca);...”.

“Ta ‘wa” (tauá) = argila amarela. “Tiga” (tinga) = branco. “Tawa ‘tinga” (tautinga) = barro branco. Deixamos, outra vez, de lado, o sufixo “tinga”, pela mesma razão anteriormente exposta. Questionamos, assim, por que não Tauá e sim Taguá?

Formulamos a seguinte hipótese: Admitimos que, ao ser disciplinada a Língua Geral pelos jesuítas, estes a tenham feito corretamente. Entretanto, ao ser esta língua assimilada (lida e ouvida) e posteriormente pronunciada pelos outros, admitimos terem havido certas distorções, distorções estas que os linguistas denominam “evolução da língua”. Para que tenhamos em que nos fundamentarmos nestas suposições, julgamos necessárias algumas valiosas considerações de J. Mattoso Câmara: “ADSTRATO – Toda língua que vigora ao lado de outra, num território dado, e que nela interfere como manancial permanente de empréstimos. Pode-se considerar essa língua geral, ou tupi jesuítico, como um adstrato do português no período do Brasil Colonial, determinando a maior parte dos tupinismos. SUBSTRATO – Nome que se dá à língua de um povo que é abandonada e esquecida em proveito de outra que a ela se impõe, em regra como consequência de conquista política. O substrato persiste no léxico da nova língua, que se enriquece com um resíduo de palavras, especialmente topônimos, e pode ainda aí introduzir traços morfológicos e fonéticos, estabelecendo-se assim uma modalidade “sui generis” de empréstimo linguístico. (...) Em relação ao português do Brasil, há que levar em conta substratos indígenas em áreas dialetais, sertão adentro, em que a colonização portuguesa se diluiu numa população indígena, que passou a falar português. Mas o acervo de palavras de origem indígena na língua comum são tupinismos provenientes do uso do tupi na catequese e no processo de aculturação dos indígenas na época colonial, sob o aspecto de adstrato ao português”. Afirma, ainda J. Mattoso: “Muitos topônimos apresentam elipse de elementos ou violentas mudanças fonéticas em virtude de passarem a ser pronunciados por uma população aloglota conquistador; assim, Tejo é uma alteração árabe do latim Tagu-, e Beja outra alteração análoga do latim Pace, onde houve a elipse de Iulia (Pace Iulia).”.

Assim, o que era pronunciado ou escrito “ta-wa”, era ouvido ou lido tauá ou tavá. Isto, até mesmo porque “w”, para nós brasileiros, sempre foi motivo de confusão entre “u” e “v”. Embora saibamos ser o/w/ o sinal de transcrição fonética que representa o valor assilábico da vogal /u/.

Aceitado isto, aceitamos também que aqueles que ouviam os sons “tauá”, naturalmente pronunciariam tauatinga, e os que ouviam “tavá”, viriam a pronunciar tavatinga. Ambos, porém, significando para eles a mesma coisa: “barro branco”. Observado o seguinte detalhe: quem pronunciou tautinga, o fez corretamente, e quem pronunciou tavatinga, praticou um metaplasmo por permuta, da classe consonantização que quer dizer nas palavras de Ismael de Lima Coutinho: “Metaplasmos são modificações fonéticas que sofrem as palavras na sua evolução. Os fonemas constituem o material sonoro da língua. Este material está, como tudo o mais, à lei fatal transformações. Não é mister ascender ao latim para mostrar que grande foi a evolução das palavras portuguesas veiculadas pelo povo. No próprio idioma se deparam estas modificações, quando comparamos vozes de épocas distanciadas. É que cada geração inconscientemente, segundo as suas tendências, (alterando???) as palavras da língua, alterações essas que se tornam perfeitamente sensíveis, só depois de decorrido muito tempo”. Mais na frente, a definição de consonantização”: é a transformação de um som vocálico num consonantal. Dão-se casos de consonantização com as semivogais i e u, que passam respectivamente para j e v, exs: Hieronymu ˃ Jerônimo, uagare ˃ vagar”.

Desse modo, o “u” de tauatinga transformou-se em “v”: tavatinga, que, por sua vez, através de outra modificação fonética, veio a se transformar em “b”; tabatinga. Há exemplos – diz Ismael Coutinho – de queda do –u- no latim vulgar: rius por riuus, aus por auus, flaus por flauus (Apendix Probi). Assinala J. J. Nunes, como de proveniência provençal: vianda (arc.) ˂ uiuanda por uiuenda, léu ˂ leue, nau ˂ naue. Em avetarda ˃ abetarda, houve com certeza confusão do b com o u (v), de que há exemplos nas inscrições. Boue deu boe no latim vulgar, donde o portughuês boi. A representação da semivogal u por v só aparece em textos do renascimento para cá”.

Bem, nestas alturas, deixamos tabatinga para voltarmos à tauatinga. Isto é, tendo analisado o que aconteceu com a palavra que foi pronunciada tavatinga, vamos procurar agora compreender o que viria a acontecer com a palavra que foi pronunciada tautatinga. Diz Mattoso Câmara: “SOTAQUE-Sotaque, também dito impropriamente acento, é o conjunto de traços fonológicos específicos que caracterizam - a) a pronúncia numa modalidade regional de língua, ou – b) a pronúncia de uma língua falada por estrangeiros aloglotas que sugeriu a explicação, conhecida como teoria do substrato, para a evolução de uma língua que passa a ser falada por um povo que tinha outra língua. (...) Muitos linguistas encaram a adoção de traços fonéticos de um substrato, não como um empréstimo no sentido rigoroso do termo, mas como consequência ampla e inelutável de um imperativo fisiológico, porque o povo que adota a nova língua usa na sua fonação as articulações a que estava habituado na língua abandonada. EMPRÉSTIMOS – “Ação de traços linguísticos dos do sistema tradicional” (Bloomfiel, 1933, 444). O condicionamento social para os empréstimos é o contato entre os povos de línguas diferentes, o qual pode ser por coincidência ou contiguidade geográfica, ou, à distância, por intercâmbio cultural em sentido lato. Os empréstimos podem ser, em princípio, de – fonemas, de afixos flexionais, de afixos derivacionais, de vocábulos e de tipos frasais. Mas o de fonema é esporádico, pois o que se dá em regra é uma substituição dos fonemas estranhos pelos fonemas nativos a que são assim, lados (por exemplo, a laringeal árabe /x/ feita f, com em – al-xajjat > alfaiate, ou a labiovelar germânica /w/ feita /g/, como em werra > guerra, em português)”.

Assim como werra, do germânico, virou guerra, em português, com o empréstimo do fonema /g/; ta’wa, do tupi, transformou-se em taguá, brasileiro, pela mesma razão.

Por isto, Taguatinga, um brasileirismo.

Vale citar, ainda uma vez, Ismael de Lima Coutinho: “LEIS FONÉTICAS são princípios constantes que presidem à evolução dos vocábulos. Diferem as leis fonéticas das leis naturais, segundo Zauner, porque, enquanto aquelas estão condicionadas ao tempo e ao espaço, são estas eternas e universais. Observando-se as modificações das palavras, verifica-se sem dificuldade, que os fonemas se alteram do mesmo modo, sempre que se acham em idêntico meio e circunstância. Daí o caráter de constância e inflexibilidade das leis fonéticas. Coube aos neogramáticos a tarefa de sustentar, o que fizeram com brilhantismo, o conceito de que as leis fonéticas são princípios absolutos, cujo rigor científico pode ser facilmente observado. “A originalidade profunda, diz Dauzat, da escola alemã dos neogramáticos foi dar à lei linguística um valor preciso e científico que a assimilou (assemelhou?), a partir de então, às leis estabelecidas pelas outras ciências da natureza”. Só a partir dessa época, pode a Linguística pretender ao título de ciência, enfileirando-se, pela segurança de seus processos, ao lado da Física, da Biologia, etc. As modificações das palavras provêm dos meios precários que nos levam ao conhecimento de um idioma: a imperfeição das imagens auditivas e a incapacidade de reproduzir, com fidelidade, os sons ouvidos. Não se pode representar a transmissão da linguagem por um todo contínuo, uma reta por exemplo, em que o indivíduo que fala e o que ouve ocupem as extremidades. Antes, o que se observa é uma completa descontinuidade nessa transmissão, devendo, por isso, cada geração que surge, fazer as mesmas tentativas que as anteriores, para a posse da linguagem”.

Sabemos que muitas pessoas irão questionar o que nos leva a investigar problemas de tão irrelevante importância. Sabemos, entretanto, que, não obstante nossa cultura (taguatinguense) recém-nascida, não nos deixa de ser fascinante uma viagem ao mundo encantado da fábrica de palavras. Eu, particularmente, ficarei muito agradecido se alguém vier a provar que Taguatinga significa “Ave Branca”, porque, assim, terei tido a certeza de haver, eventualmente, provocado uma polêmica genuinamente taguatinguense.

Então, até que alguém prove o contrário...

Antônio Garcia Muralha

Aqui, 12/Maio/1983

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