Direito às ciclovias

Heloísa Helena (*)

QUEM vivencia as cidades brasileiras – vivendo no sentido intenso da palavra, sem se acomodar apenas com sua vidinha pessoal – conhece a importância das bicicletas como modalidade de transporte urbano, tanto do ponto de vista da sustentabilidade ambiental como diante da precariedade dos transportes coletivos e da necessidade de redução no orçamento doméstico das extorsivas tarifas.

Milhões de trabalhadores pobres brasileiros saem das suas casas nas madrugadas e alvoradas, com bicicletas velhas, sem equipamentos de proteção pessoal, levando uma pequena quantidade de alimento para todo o dia de trabalho exaustivo.imagem1-ed368 Sem técnicas de alongamento e submetidos a grandes distâncias que ultrapassam os limites físicos, ousam circular de bicicleta, temerosos da violência cotidiana e angustiados com a possibilidade – tantas vezes já visualizada – de acidentes, mutilações e mortes no trânsito. O debate sobre esse tema e todas as alternativas propostas sobre o Sistema Cicloviário – como mecanismo de apropriação democrática dos espaços de circulação urbana – infelizmente não sensibiliza a muitos, pois não envolve um setor poderoso na rede de propinas e crimes contra a administração pública, como o transporte coletivo e a construção de rodovias, e nem envolve setores sociais de grande poderio político e econômico. Embora o Código de Trânsito já disponibilize a estruturação dos direitos e deveres desses usuários e não faltem propostas concretas a serem viabilizadas pelo poder público na garantia de acesso seguro aos principais pontos das cidades, os ciclistas continuam em risco. Pois bem... a bicicleta foi inventada em 1790 (de madeira e impulsionada com os pés, embora quatro séculos antes deste feito, Leonardo da Vinci já a tinha desenhado com pedais e correntes), em 1898 veio ao Brasil apenas para consumo e diversão dos riquíssimos Barões do Café e apenas em 1948 começou a ser fabricada no país e se tornou popular. A “magrela” ou “bike” como é carinhosamente chamada por muitos apaixonados em nosso país – e largamente utilizada como meio eficiente de locomoção, especialmente na China e Holanda – pode ser uma excelente ferramenta de mobilidade e acessibilidade eficaz e agregadora. Daí a importância de implementar os projetos de circulação (ciclovias, ciclofaixas, circulação partilhada), de sinalização (vertical, horizontal, semafórica), de estacionamento (bicicletários, paraciclos), de campanhas educativas (para ciclistas, usuários de outros veículos e pedestres) e da definição da área de abrangência (com a defi nição de limites extremos – interesse, necessidade, limite físico) e integração com outros meios de transporte equipados para tal. Em todo o Brasil, trabalhadores na informalidade – buscando desesperadamente “bico” para sustentar suas famílias com dignidade e resistindo com bravura ao mundo das facilidades e violência do tráfico de drogas – ou na construção civil e em outras áreas da economia local – às vezes até escondendo seus veículos, para não perderem o vale transporte, se deslocam todos os dias usando bicicletas. Para dar condições dignas de segurança a tantos trabalhadores que precisam usar suas bicicletas para buscar o pão de cada dia, estamos confiantes que conseguiremos garantir a implementação do Plano de Mobilidade Urbana com prioridade a formas de circulação coletivas, aos pedestres (especialmente com defi ciência ou restrição de mobilidade) e aos ciclistas dentro do Sistema Viário. Claro que muitos dirão que tudo isso é impossível e vão se contentar com seus carrões nos “pegas” de vadios filhinhos de papai ou sendo um ridículo machão brutamontes no trânsito... Mas, “pra variar”, muitos de nós continuaremos lutando, apresentando emendas ao Orçamento para garantia das ciclovias, fiscalizando e exigindo que sejam encaminhados os Projetos (prerrogativa exclusiva do Executivo) de Mobilidade... Além disso, continuarde lupa na mão para evitar a canalhice política no processo de licitação do transporte coletivo e garantir as cláusulas sociais de proteção aos motoristas e cobradores dos ônibus. Ufa! Como dizia a grande e maravilhosa alagoana Nise da Silveira... “Para navegar contra a corrente, são necessárias condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão!”

(*) Heloísa Helena, ex-Senadora,
é vereadora do PSOL
em Maceió-AL.